quarta-feira, 7 de setembro de 2011

O primeiro amasso a gente nunca esquece



Eu bem que não queria ir, alguma coisa estava me avisando. Vai ser muito tumulto, vai ter muita gente... Mas, como vivo meus dias em função do amor impossível por Paulinha Toller, não poderia nunca deixar de ir ao show do Kid Abelha na Concha Acústica* naquele dia. E lá fomos − a tropa toda −, mesmo eu achando que em programa de filho pai não deve meter o bedelho. Primeiro porque você tem que se mancar pra não ficar indo numa praia que não é a sua, e segundo porque pode ter surpresas desagradáveis, como aconteceu comigo nesse dia.
Quando chegamos na creche − quer dizer, na Concha −, foi o maior barato. Meu fascínio pela Paulinha não me permitia enxergar mais nada. Que voz, que rosto, que corpo! (Seu único defeito é ela nem saber que eu existo.) Fiquei tão ligado que come­cei a dançar junto com a galera, até perceber que o pessoal todo esta­va fora do ritmo, menos eu. Achei melhor ficar só ouvindo as músicas, e me concentrei de novo naquele louro objeto do desejo. Nem observei o que se passava à minha volta, e esse foi o meu erro.
Já quase no final do show foi que notei que meus filhos não estavam ao meu lado. "Tudo bem", pensei, "devem ter ido comprar algum refrigerante, ou estão por aí." (Não me lembro a partir de que momento na vida eles deixaram de avisar aonde vão.)
Na hora de ir embora, saio catando um por um, mas só encontrei uma fi­lha e meu filho. Cadê a outra? A irmã diz logo: "Ah, eu vi quando ela tava indo pro bar, já deve estar voltando. É melhor vocês esperarem aqui que eu vou lá chamar". Percebi no ar um quê de cumplicidade, e pensei: "Aí tem!" E disse: "Não, não, vamos procurar jun­tos!" Depois de descer alguns degraus, sinto que minhas pernas estancam, meu olhar vacila e meu queixo cai com a cena: minha própria filha sendo imprensada no muro por um sujeitinho qualquer, no maior amasso, e ela, em vez de empurrá‑lo, ainda o estava abra­çando! E gostando!
Nunca imaginei (sempre imagi­nei!...) que esse dia fosse chegar! Ali, na minha frente! "Quem é esse rapaz?" (a gente sempre os chama de "rapaz"), perguntei à outra filha. "É um menino aí com que ela ficou na Lavagem da Praia do Forte, encontrou aqui hoje, e ficou de novo."
Até aí tudo bem (tudo bem uma ova!). O pior foi quando ela me notou e veio toda sem graça pra me apresen­tar o "rapaz". Tive que apertar aquela mão mole, e ainda sorrir pro sujeito... E ainda dei carona até o carro dele, que estava longe! E ainda falei "tchau"! E ainda tomei esporro porque fui "frio" ("Meu pai, você não tem jeito mesmo, né? Custava ser um pouquinho mais gentil com o menino?")!!!

Nivaldo Lariú . Confissões de um pai de adolescente. Rio de janeiro, Relume Dumará, 1996.

*Trata‑se de um teatro a céu aberto em Salvador.

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